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domingo, 12 de outubro de 2014

As asas do desejo

A empresa multinacional Red Bull foi condenada no pagamento de 10 milhões de dólares em indemnizações, uma vez que a bebida não dá... "asas". Segundo a notícia, "a empresa aceitou um acordo que prevê o pagamento de um total de cerca de 10 milhões de euros por publicidade enganosa. Cada cliente, apenas nos EUA, pode receber o equivalente a quase 8 euros".

Desde a sua fundação, o primado da Lei tem sido a grande marca da democracia na América. O que pode naturalmente produzir efeitos perversos. Um deles é  a existência de uma litigância por tudo e por nada. Como os cidadãos confiam no sistema judicial, depositam nas suas mãos a "boa decisão" sobre qualquer assunto, por muito trivial ou imaginativo que possa parecer. Desde questões de vizinhança, até causas com muitos dígitos, como é o caso em análise. E tudo isto apesar de instância morais intermédias, de ordem religiosa, ou cívica, terem um forte efeito dissuasor e de coesão social. 

De facto, nos EUA,  este tipo de realidades funciona de forma muito diferente em relação ao nosso país. Aqui, em paralelo com a ineficiência do sistema, as questões do bem e do mal são, na prática, cada vez mais definidas pelos tribunais. Tal situação acentua-se com o progresso da relativização dos valores. O culminar do processo sucede quando só é moralmente relevante aquilo que passou pelas instâncias judiciais. Daí os portugueses exigirem - durante as assembleias pacíficas de homens zangados, de que falava Torga - condenações, mutilações, degredos e todo o tipo de males, aos notáveis que caem nas malhas da Justiça. E qual a explicação de tamanha fúria justiceira? É que as pessoas já aprenderam a distinguir entre os notáveis criminosos - que escapam quase sempre airosamente às penas do suplício - e os criminosos notáveis, cujo destino é, muito provavelmente, o dos "suspeitos habituais": a condenação. Na América, pelo contrário, o relativismo só existe onde ele deve existir: na cultura. E como não existe esse vazio deixado pela relativização dos valores, os Tribunais (e outros órgãos da administração da Justiça) não adquiriram a função de pontífices morais. Venais e estridentes como eles. Simplesmente, fazem bem aquilo para que foram criados: investigam, avaliam e decidem. Também erram, evidentemente. Mas esse é um risco impossível de eliminar.  


Juntando as várias peças desta trama, conclui-se que, nos EUA, sendo a confiança no desempenho do sistema judicial um dado "natural", os cidadãos não hesitam em recorrer aos tribunais. Mas fazem-no quase sempre com vista à solução terrena para um problema concreto. Nunca para obterem proclamações morais exemplares e menos ainda um simulacro para a palavra de Deus. Pode acontecer, por vezes, o sistema produzir resultados absurdos. Como é o caso. Desconheço a fundamentação e os precedentes desta decisão. Mas uma coisa salta à vista. No país que popularizou a publicidade, ignora-se totalmente a génese da linguagem que a suporta. Ou seja, o artifício, o apelo à fantasia, fazem parte da persuasão, do jogo de sedução. Estabelece-se um acordo tácito entre os anunciantes e o público. Onde aqueles apelam a modelos, hábitos, ou simples ideias e os potenciais consumidores não se importam de ver reconhecida a sua ânsia de fantasia. Sem querer, uma decisão como esta, fazendo escola, pode pôr em causa a própria economia de mercado. Muito mais do que as proclamações e ultimatos de quem o elegeu como principal inimigo. 


Todavia, esta singularíssima notícia obriga ainda a um outro tipo de reflexão. Tomemos agora como tema as religiões. E o cristianismo em particular. Que constitui o exemplo de marketing mais bem sucedido da História. E de tal forma que nenhum aderente se poderá queixar acerca do seu "produto" básico: o gozo da bem-aventurança eterna ou o suplício das penas infernais. Pois quando chega o momento da reclamação, já é tarde demais...


sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Os papões

1. Vejo muita gente alarmando o auditório com os perigos do "retorno do fascismo". Os sinos a rebate funcionam exactamente como as advertências da visita do "papão" ou do "homem do saco", presentes no imaginário infantil. Os zeladores desses perigos inomináveis são, quase sempre, pontífices do regime que outorgaram a si próprios uma proeminência moral muitas vezes baseada na lenda e na ocultação.

Todavia, a questão não é despropositada. Bem pelo contrário. Nas sociedades do espectáculo difuso (Debord) em que vivemos, o (neo)fascismo dispensa o Estado totalitário, mas não o totalitarismo. Passa bem sem a censura, mas não sem o medo. Não pretende restaurar uma ordem pré-iluminista, mas uma utopia eugénica, onde as diferenças são subtilmente anuladas. É-lhe indiferente a submissão, mas não floresce sem o culto narcísico. Não nega as liberdades, mas administrativiza-as. Neste cenário hedonista, o Poder decide que somos todos iguais. Pois a ânsia do consumo é uma ânsia de obediência a uma ordem não enunciada. Pois nunca a diferença foi tão aterradora como neste período de tolerância. O Estado sabe tudo acerca dos cidadãos, dado que é no seu interesse que o faz. Dá-lhes bons conselhos, protege-os do risco, da tentação, do vício. Sufoca-os com o abraço do urso. 
O preço desta vigilância assistencial é o controlo. As investidas fiscalizadoras da ASAE, embora compreensíveis à luz do combate à contrafacção e em prol da saúde pública, são muitas vezes provocadoras e humilhantes para os visados. O espectáculo hollywoodesco das máscaras e das correrias tem fins de prevenção geral para toda a nação. É o papão que faz tremer de medo um país pré-higiénico, pré-normalizado. Tudo isto para acabar com a chamada economia paralela. Aquela que não gera tributação. Refiro-me à rede de pequenos serviços, muitas vezes familiar, à produção de subsistência, ao pequeno comércio de rua, muitas vezes ligado às tradições culturais, festivas e gastronómicas. Tal como a obra de Kafka demonstra, o verdadeiro prazer do esbirro ou do polícia está em incomodar os outros por razões fúteis. Não por motivos legítimos, palpáveis, reconhecíveis. É precisamente a gratuitidade da ameaça, o tom aleatório do medo, o que torna o totalitarismo tão absurdo quanto real.

2. W. H. Auden, poeta e escritor inglês, viveu na primeira metade do séc. XX. Antes da ascensão do nazi-fascismo, integrava os círculos fabianos e o grupo progressista de Bloomsbury, onde pontuava Virgínia Woolf, H. G. Wells e Bernard Shaw. Desiludido com a traição de Munique, o apaziguamento que se lhe seguiu e o Pacto de não agressão Hitler-Estaline, foi para os Estados Unidos, logo no início da Guerra. Onde escreveu um extraordinário e profético poema, deveras apropriado para os dias que correm:

Rostos ao longo do bar/Agarram-se ao dia mediano;/As luzes nunca deverão apagar-se,/A música deverá sempre tocar, (...) Com medo que descubramos onde estamos,/Perdidos numa floresta assombrada,/Crianças com medo da noite,/Que nunca foram boas ou felizes.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Burundanga

Recebi um extraordinário email. Daqueles em cadeia, do tipo "Desculpe a maçada, mas era só para lembrarmos que o mundo vai acabar. Cuidado! Desligue a luz antes de sair!" Desta vez, trata-se da aparição, em Lisboa, de uma substância especialmente perigosa chamada "Escolopamina", ou, na versão popular, "Burundanga". Segundo a informação divulgada, actua em 2 minutos, faz parar a actividade do cérebro e transmite-se por via cutânea". É usada por assaltantes que escolhem as suas vítimas e, através de um proverbial conto do vigário, depositam nas mãos do infeliz um cartão, um mapa, uma moeda previamente "contaminados". Depois, com o desgraçado à mercê, é só sacar o que for possível. E por aí adiante. O próximo eleito "poderá ser você", etc. e tal.   

"Ah, mais um mito urbano para encher conversas de circunstância!", dirão os mais cépticos. "Bolas, mais boatos alarmistas! Como se a realidade não fosse já pesada!", dirão os mais prosaicos. "Spam alarmista, que encobre outras coisas de que ninguém fala!", dirão os mais esclarecidos. "Merdas de gente desocupada", dirão os mais pusilânimes. Todos cheinhos de razão, é claro. Ponto final. 

Mas pensando melhor... Talvez noutra perspectiva... Hummm!... Então é assim. O assunto só me interessa na parte dos efeitos desta "droga". Mais concretamente, a paragem da actividade cerebral. É que, se o efeito for realmente esse, a coisa é de uma gravidade colossal. Podendo-se alvitrar desde já o seguinte: a) Em Portugal, esta droga já é de utilização corrente desde que foi descoberta, ou até antes, considerando-se termos sido escolhidos para cobaias; b) uma boa percentagem dos portugueses já foi algum dia contaminada; c) os seus efeitos são constantes e perduram no tempo.  

Em jeito de conclusão:
Andou a geração de 70 e o Eduardo Lourenço a cismar horas e horas sobre a questão da identidade nacional. Tempo perdido! A identidade nacional é sempre feita à medida da droga nacional. Os chineses têm o ópio. Os russos a vodka. Os argentinos o mate. Nós temos o privilégio do efeito perpétuo da Burundanga. Viva a Burundanga!  

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Os trabalhos de Costa - 1

Começa a perceber-se a estratégia de Costa:
1. Manter-se na CML até ao Congresso do PS, onde poderá mostrar-se com "obra feita" e amealhar mais uns pontos para serem usados no momento certo.
2. Internamente, ir cozinhando em lume brando as listas para os órgãos nacionais - com receitas do agrado do maior número possível de gregos e troianos, mas com os persas de fora - para apresentação no Congresso enquanto "proposta irrecusável". 
3. Prosseguir a campanha de charme com vista à constituição informal de uma frente de esquerda, tão alargada quanto possível, que dê cobertura eleitoral para uma maioria absoluta. Prevê-se que só o PCP, enquistado no seu hinterland, fique de fora.
4. Refazer a velha trama de lealdades, interesses e influências senatoriais, de modo a ficar precavido contra manobras florentinas.
5. Cavalgando a onda vitoriosa e a aclamação obtidas no Congresso, falará então ao país.
Em resumo, uma bela estratégia. Ou será simples táctica? Tendo em atenção o aforismo segundo o qual "Táctica é saber o que fazer quando há o que fazer; estratégia é saber o que fazer quando não há nada a fazer", digam de vossa justiça...

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Tiro de partida

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